quarta-feira, 24 de julho de 2013

Um conto estatista

Era mais um dia na vida de Seu Cornélio...


Seu Cornélio era um contador mediano em um escritório mediano. Com seus 36 anos, sua convicção política não poderia ser outra: um estatista e keynesiano, como quase todo mundo. Não negava a vital importância que o Estado tem em nossas vidas, regulando as falhas de mercado e os problemas sociais da forma onisciente que só o Estado é capaz de fazer. Fazia jus ao que aprendeu em sua faculdade particular que, ironicamente, tinha toda a grade curricular e didática pré-definida e regulamentada pelo governo.

Rapidamente ele se aprontou para o trabalho na contabilidade onde era empregado. No seu carro, a caminho para o trabalho, viu que a gasolina estava acabando e precisava abastecer. Ao chegar no ponto, olhou o preço da gasolina se assustou; como se já não fosse cara, o governo aumentou um pouco mais os impostos sobre a mesma para fechar seu orçamento. Mas ele não se importava, sabia que a gasolina pertencia a um setor estratégico da economia e que deveria ficar nas mãos do governo. Sob hipótese alguma deveria ter o dedo da iniciativa privada na gasolina, isso poderia aumentar ainda mais os preços dela, defendia Cornélio; “Se tá caro com governo, imagina sem ele!”, dizia sempre.





Chegou pontualmente em seu trabalho às 08:00 horas, como de costume. Sobre sua mesa havia uma pilha de papeis a serem averiguados e centenas de contas a serem feitas. Por volta das 08:30 viu que tinha que validar um documento em um cartório público, não ficava muito longe dali, nada que uns 20 minutos de carro não resolvessem.

Chegando lá percebeu logo uma fila imensa de pessoas, todas se dirigindo a um único terminal onde um funcionário público, com um entusiasmo fúnebre, carimbava e validava os documentos. Achou a situação no mínimo curiosa uma vez que haviam mais cinco terminais no cartório justamente para diminuir a concentração em um só e não gerar filas grandes; mas encarava numa boa e olhava para aquele funcionário público com respeito e admiração. Sabia melhor do que ninguém que o mundo não se move sem os famigerados funças. Perto de chegar a sua vez o tão “determinado” atendente diz que o sistema saiu do ar, isso lá pelas 9:30.

Quando foi umas 10:40 o sistema voltou. Ao chegar a sua vez, por volta das 11:00, o funça diz que não podia validar o documento porque faltou o carimbo que só poderia ser feito em uma outra junta da prefeitura, a uns 6 quilômetros de distância daquele cartório em que se encontravam. Rapidamente ele indaga um tanto exaltado:

- Mas por que não me avisaram disso antes e só agora?!

Não tardou para que o atendente em questão apontasse para uma placa enorme acima de seu terminal, nela estava escrito em letras garrafais: “PROIBIDO OFENDER, DESRESPEITAR E GRITAR COM OS FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS SOB PENA DE MULTA”. Logo engoliu sua raiva e foi embora, sabia que a lei deveria ser cumprida e aquilo nada menos foi que um vacilo do atendente; “todo mundo se esquece às vezes” pensou consigo mesmo.

Ao chegar na junta municipal, por volta das 11:20, viu um movimento de pessoas com cartazes na frente na rua, impedindo a entrada de qualquer um no prédio. Perguntou a um senhor que estava sentado lendo jornal o que se tratava aquilo.

- São os funcionários públicos daquela repartição que estão fazendo greve.

Já frustrado com aquilo, entrou em seu carro e foi para a lanchonete ao lado do seu escritório, a essa altura sabia que não daria mais tempo de trabalhar nessa manhã. Enquanto dirigia se questionava porque os funcionários públicos daquela repartição estavam em greve, já que eram os mais bem pagos da cidade, trabalhavam somente durante o turno matutino, tinham mais 10 feriados anuais do que o resto dos trabalhadores, estabilidade e um salário muito maior que a média dos trabalhadores na área em que atuavam. Mas sabia que tal greve era importante, afinal, nenhum funcionário público se mobiliza por nada e seu trabalho é de vital importância. Sabia que a burocracia é um recurso fundamental na vida das pessoas e que se ela tudo se desmorona.

Ao estacionar o carro próximo à lanchonete, logo se depara com uma senhora aos prantos pedindo para que policiais e fiscais não levem seu carrinho de doces. Tratava-se nada menos que uma vendedora ambulante que não tinha documentos e licença sobre o carrinho e serviço que prestava, respectivamente. É certo que ambos são muito caros, em especial para pessoas pobres como àquela senhora, mas Seu Cornélio colocava a lei e a ordem estatal acima de tudo! Sabia que nossa segurança era primordial, e isso inclui a nossa segurança como consumidores.

Na hora de pagar a conta levou um susto, o preço do lanche estava mais alto que de costume; no mesmo instante passou uma reportagem na TV da lanchonete dizendo que a taxa de inflação ultrapassou a meta do governo. Como bom keynesiano que era sabia que estava faltando mais arrocho no mercado e uma mão mais pesada do governo. Logo em seguida, o mesmo jornal noticia que o governo declarou roubos, furtos e assaltos como crimes hediondos. Seu Cornélio, juntamente com todos os outros presentes na lanchonete, comemorou o ato e se sentiram mais seguros. Era bom pensar que tinham um governo vigiante e que pensava em sua população. Pagou a conta e saiu, quando menos estava esperando um trombadinha o passa a rasteira e toma a carteira que levava na mão, sumindo em seguida no meio da multidão. “Obviamente aquele garoto não está sabendo que assalto é um crime hediondo agora, quando souber não mais o fará.”, resmungou Seu Cornélio.

***

Já era por volta de umas 13:30 a essa altura; seu Cornélio deveria voltar ao trabalho mas estava com uma enorme dor de cabeça, resolveu então passar na farmácia. Ao pedir por um remédio para dor de cabeça, um mero analgésico, tem seu pedido negado pelo farmacêutico. Este o informa:

- Só podemos vender qualquer remédio a partir de hoje com prescrição médica, lamento, nova lei.

***

De volta ao trabalho, às 14:00 horas e com uma dor de cabeça latejante, Seu Cornélio tem uma notícia nada agradável de um cliente. Acabara de saber que não poderia mais trabalhar para ele. Segundo o cliente, o ramo de transporte coletivo ao qual pertencia agora só poderia ser exercido por apenas uma empresa licenciada pela prefeitura, empresa esta que, “coincidentemente”, é pertencente ao filho do prefeito da cidade. Foi um choque, aquele era o principal cliente de Seu Cornélio na contabilidade, e, obviamente, o que mais pagava.

Quando foi por volta das 16:00 viu seu colega ao lado juntando seu pertences em uma caixa de papelão, acabara de ser demitido. Seu Cornélio o pergunta:

- Mas por que você foi demitido?

- O sindicato dos contadores – respondeu seu colega – exigiu um aumento de 5% no piso salarial da categoria, o chefe disse que o custo para me manter aqui superou o quanto eu trago de lucro e me demitiu.

Seu Cornélio ficou surpreso com aquilo. É verdade que seu colega acabou de sair da faculdade e não tinha muita experiência, mas era determinado e trabalhador. Contudo, sua pena logo foi dissipada pela sua fé de que governos e sindicatos só fazem o melhor para trabalhadores e a população no geral.
***
Chegou em casa por volta das 19:20, não via a hora de descansar desse dia infernal que não terminava. Logo na entrada de sua casa viu que havia uma carta na caixa de correio; era uma conta dizendo que o pagamento do IPTU estava atrasado e que corria o risco de despejo caso não pagasse logo.

 Ao entrar no chuveiro para tomar banho vê que não sai água alguma, acha aquilo no mínimo estranho. Ao ligar a TV vê a notícia que a empresa estatal que fornecia água à cidade estava com um cano quebrado, comprometendo assim o fornecimento geral. “Ah se o fornecimento de água não fosse um setor estratégico!” esbravejou seu Cornélio.

Não tendo mais o que fazer naquele dia exaustivo de trabalho e frustrações, se pôs a dormir. Enquanto refletia sobre os problemas que havia passado naquele dia ele logo chega a seguinte conclusão:

- Estamos precisando de mais governo.

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